31 de Março de 2023
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Cães uivando para a lua

Tem gente que adora os bichos, muito mais que aos seus semelhantes. Também, pudera, humanos geralmente são pé-no-saco, enquanto animais de estimação são bibelôs vivos que só dão alegria, até porque, não dispondo de fala, não reclamam. Dão trabalho, mas isso parece extremamente gratificante para os que deles gostam. Por exemplo, passear diariamente com cachorros e recolher o seu cocô em sacolinhas de plástico. Haverá atividade mais gratificante do que essa!, mais afirmativa de desprendimento de alma? Mesmo para os menos entusiasmados, parece ser um sacrifício suportável, que compensa as delícias de ter um animal só seu, abanando o rabo, saltitante e feliz por receber algum sinal de aprovação do dono.

Já a convivência humana com humanos é bem mais estressante. Seres humanos estão sempre sendo do contra, argumentando, xingando, exigindo, pedindo, quando não traindo e apunhalando as costas. Você oferece a mão e já querem o braço. Bicho difícil é o homem. O general Figueiredo gostava mais de suor de cavalo do que do cheiro dos homens. O antropólogo Levi-Strauss, mais sofisticado, como bom belga-francês, preferia o silêncio de seu jardim ao convívio com os humanos. Apenas o silêncio inanimado do mundo botânico. Garantia maior contra chateações animais, humanas ou não.

Tem gente que adora gatos; uns poucos malucos chegam a domesticar ratinhos, para melhorar sua qualidade de vida (a deles, não necessariamente a dos ratos). Outros gostam de porquinhos, galinhas, pássaros (se possível de bela plumagem ou bons cantadores, para seu deleite). Mas a maior preferência parece ser mesmo por cães, o amigo do homem por antonomásia. A afeição desses animais pelos humanos e vice-versa é admirável. Muitos deles demonstram mutuamente uma fidelidade que chega a ser... irracional. Outro dia, fiquei extremamente sensibilizado com uma foto mostrando um cachorro que se recusava a sair do local onde tombara assassinado o seu dono, mesmo depois da retirada do corpo.

Ainda que maltratados pelo dono, muitos cães, ao primeiro aceno daquele, latem alegremente e correm em sua direção abanando o rabo. Talvez por isso humanos gostem tanto desses animais. Lembram certas mulheres que, mesmo machucadas severamente por seus companheiros, ao primeiro afago esquecem os maus tratos e se derretem de amor. Há exceções, porém. Já ouvi falar de rottweilers que esqueceram a regra de fidelidade e, sem mais nem menos, estranharam o dono e lhe meteram os dentes sem dó.

A relação humanos/cachorros chega a ser comovente. Também, pudera, há cães que parecem mais humanos que os próprios. O "Titi", cãozinho pinscher de minha falecida sogra, herdado pela minha cunhada, só falta falar. Vivo, esperto, ladino, danado de inteligente; se fizesse teste de Q.I., poria muito humano metido a sabido no chinelo...

O padrão de vida de muitos bichos de estimação é de causar inveja nos humanos. Têm creches, hotéis, spas, hospitais, planos de saúde, shampoos especiais, roupinhas, vitaminas, vacinas, alimentação balanceada, passeadores. Seus direitos estão sendo ampliados a cada dia que passa. Vivem em apartamentos, passeiam em supermercados, viajam em aviões. Brevemente, poderão também entrar em cinemas, teatros, bares, e lamber tranquilamente o humano vizinho do lado que, se reagir, poderá ser punido por discriminação aos animais.

Claro, isso não é para todos. Desigualdade e má sorte não é privilégio do mundo humano. Há muitos vira-latas por aí uivando para a lua solidão, fome e abandono, implorando para serem adotados por alguma madame ou magnata ou, pelo menos, por um classe média generoso. Igualzinho aos humanos, com a diferença de que estes ainda não aprenderam a uivar para a lua, nem a serem dóceis e agradecidos.

José Benjamim
Advogado. Promotor de Justiça aposentado. Mestre em Direito. Aborda temas ligados ao Direito, com ênfase em questões de cidadania e da comunidade assisense.
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